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quinta-feira, 7 de novembro de 2024

3161 - As mais antigas profissões do mundo


O BISCOITO MOLHADO


Volume 2085                    Data: 31 de maio de 2004

 



HISTÓRIAS PARA SEREM CONTADAS


Confundi filho com pai e escrevi que o Sérgio Fortes estudou no Colégio São Bento, e quem na verdade lá estudou foi o barítono Paulo Fortes. Para o Dieckmann, que não nos alertou para o erro, não faz muita diferença a troca de escolas, pois as alunas do Instituto de Educação, atraídas pelos alunos do Colégio Militar, preferiam futuros militares a futuros padres. Sérgio Fortes foi do Santo Inácio, onde pertenciam à mesma turma o matemático Oswald de Sousa e o prefeito, também íntimo dos números, César Maia.  Para o público, Oswald de Sousa era o entendido na quantidade de acertadores da loteria esportiva, quanto ao César Maia, já possuía um talento bem mais diversificado: criador de factóides, varredor da Marquês de Sapucaí, maluco, tocador de obras, Pigmalião que tem como Galatéia o Luís Paulo Conde, e não uma vendedora de flores. 

O atual prefeito, porém, conhecia os números e, segundo a reportagem de um co-irmão de O Biscoito Molhado,  precisamente O Globo, disputava com Oswald de Sousa o título de melhor aluno de matemática da turma. Eram mestres, principalmente, em análises combinatórias, resolvendo com os pés nas costas aqueles problemas apresentados nos livros do Ary Quintela e do Jairo Bezerra. Nessa parte da disciplina, Oswald de Sousa se destacava nas combinações, e César Maia nos arranjos – o que explica o seu destino na política.

Contudo, o mais afamado NERD, CDF, ou o nome que for, da história do Colégio Santo Inácio, não foi o Sérgio Fortes, o César Maia ou o Oswald de Sousa, e sim o Mário Henrique Simonsen; também por causa da intimidade com os números. Depois que ele chegava do almoço, a sua secretária tinha ordens categóricas de não deixar ninguém sequer respirar perto da porta do chefe; pois Simonsen, com lápis e papel na mão, relaxava os nervos resolvendo intrincados problemas de matemática.  Depois, passou para o jogo de xadrez, mas mestre também em análise combinatória, sabia que depois de poucas mexidas nas peças, abria-se um leque de opções de jogadas que passava do milhão, o que lhe exigiria muito tempo, e ele ainda tinha de se dedicar ao tabuleiro da economia, onde qualquer jogada ou movimentação das peças provocava uma corrida dos jornalistas à procura do seu parecer técnico.

Mário Henrique Simonsen dedicou-se, então, com mais fervor à música. Nós víamos, então, o ex-ministro da Economia do governo Geisel e do Planejamento no início do governo Figueiredo, também nas páginas dedicadas à cultura, na revista Veja, redigindo requintadas críticas a discos de óperas e a orquestras como as regidas por Hebert Von Karajan, e a presidir até Concurso Internacional de Canto com nomes conceituados. Nada mais lógico para um amante dos números, pois a música é a forma mais adiantada da matemática. Pitágoras já reduzira o acorde musical a uma proporção matemática, chegando, dessa maneira, à idéia que os números são o princípio, a fonte a raiz de todas as coisas. Como diria o Dieckmann, expoente em Latim, no Colégio Militar, na época em que vigia a Lei Gustavo Capanema, pois retiraram o Latim do currículo escolar em 1962: “Numeri regunt mundi” (Os números regem o mundo).

Na biografia do Paulo Fortes, Rogério Barbosa Lima cita na “Nota do Autor” o pensamento de um outro filósofo, Leibniz: “A música é uma álgebra sentida”. E, logo depois, reporta-se `a justificativa do poeta e teatrólogo inglês, W.H. Auden,  para as incongruências dos enredos das óperas: “As pessoas não cantam quando não se sentem sensatas”. 

Ainda com as vistas voltadas para a biografia do grande barítono brasileiro, não posso deixar de assinalar que os leitores não fruíram no Capítulo III, “Crônicas dos Bastidores”, de uma história que nos foi narrada pelo Sérgio Forte no seu célebre (por ser o único, talvez) correio eletrônico.  

As ordens que a secretária do ex-ministro recebia do seu chefe de que não estava para ninguém não eram motivadas apenas para resolução de problemas de matemática; Simonsen, barítono que era, recebia Paulo Fortes no seu escritório, e ai de quem os interrompesse no meio da cantoria. Verdi, que compusera um inusitado dueto entre baixos na ópera Don Carlos, com notas tão graves que chegam a ser abissais, não podia deixar os barítonos sem um grande dueto e, assim, na sua última ópera, Falstaff, criou um admirável. Conta Sérgio Fortes que o seu pai personificava o Falstaff, e o senhor Ford, marido que se julgava traído por uma das mais alegres comadres de Windsor, era o Mário Henrique Simonsen. Certa vez, segundo o filho de Falstaff, isto é, do Paulo Fortes, saíra um pacote de medidas econômicas do governo e os repórteres correram para o escritório do ex-ministro para colher a sua opinião. A porta estava trancada e a secretária, como um soldado montando guarda, não permitia que ninguém incomodasse o seu chefe. A hora de as redações dos jornais fecharem se aproximava e nada de o homem aparecer com as suas opiniões abalizadas. Mas para o alívio dos jornalistas e da pressionada secretária, Mário Henrique Simonsen se contentou com o dueto, não arrematando com a puxada ária do Senhor Ford, “É sonho ou realidade”, que se segue. E, assim, as portas se abriram, para entrar a imprensa, e sair a arte, personificada na pessoa do Paulo Fortes. Apesar da frase de W.H. Auden,  se eles permanecessem cantando seria mais sensato.

Muitas outras histórias saborosas como essas devem existir, mas o capítulo “Crônicas dos Bastidores” não é encorpado, e o Sérgio Fortes, num estilo meio João Ubaldo Ribeiro, confessou as suas implicâncias com os aparelhos de alta tecnologia, e, por isso, só nos enviou um e-mail. Infelizmente...







sexta-feira, 1 de novembro de 2024

3160 - Rádio memória

O BISCOITO MOLHADO


Volume 3701                    Data: 29 de novembro de 2013

 



A BANDA PASSA NO RÁDIO MEMÓRIA



-E o dia de hoje, Sérgio?

-Travestido de Homem-Calendário, ele foi em frente. Citou o nascimento de dois grandes compositores, Albinoni e Schumann, mas antes aludiu ao dia 8 de junho de 1887, quando foi patenteado um invento por Herman Hollerith, que tem tudo a ver com o salário dos nossos avós.

Ao citar o nascimento, em 1913,  do grande goleiro Roberto Gomes Pedrosa, descobrimos que o Homem-Calendário, não só é tricolor como mordaz comentarista dos feitos botafoguenses.

-Ele foi tricampeão pelo Botafogo em 1934. Jonas, o Botafogo ganhou tricampeonato?

-Caro Homem-Calendário, o Botafogo foi o único tricampeão do pré-profissionalismo no futebol carioca; lá vão os anos: 1932, 1933, 1934 e 1935.

Como o Jonas Vieira se acumpliciou a ele na gozação, Sérgio disse que recorreria ao Fernando Borer para dissipar essa dúvida. Caso o médico pesquisador do Rádio Memória seja botafoguense, escalará o escrete que vestiu a camisa da estrela solitária na época:

-Pedrosa, Octacílio e Nariz; Affonso, Martim e Canalli; Álvaro, Leônidas da Silva, Carvalho Leite, Russinho e Patesko.

E o Dieckmann ainda diz que o Botafogo é como o Elvis Presley: brilhou na década de 60 e, agora, está morto.

Do futebol para a religião, embora os mais orelhudos confundam as duas coisas. Em 8 de junho de 632, faleceu Maomé. Ao ouvir isso, levei as mãos à cabeça, temendo que os dois continuassem com o humor sarcástico e fizessem piadas, arriscando-se a serem ameaçados de mortes pelos aiatolás, como aconteceu com o escritor Salman Rushdie. Graças a Deus, ou a Alá, isso não aconteceu. Jonas Vieira afirmou, isso sim, que  o Corão tem passagens de grande riqueza poética e que Maomé, um comerciante, psicografou o livro, pois ele era um médium.

Deixou-nos a todos abismados  a informação que o dia 8 de junho  é o Dia Mundial da Saudade. Como, ora, a palavra saudade não é exclusiva da língua portuguesa?...

Quando chegaram as atrações musicais do programa, gravações de Orlando Silva e Jorge Goulart se impuseram, o que me surpreendeu. Há poucos dias, tendo como fonte o Sérgio Fortes, o Biscoito Molhado soube que participaria desse programa o maestro Antônio Henrique Seixas e toda a sua equipe foi mobilizada para cobrir esse evento. E até a “Pausa  para Meditação”, crônica do Fernando Milfond, nada.

O cronista se reportou às orações dos torcedores mais fervorosos aos santos nesta época de Copa do Mundo. Nesse mesmo domingo, aliás, João Ubaldo Ribeiro tratou do mesmo tema, escrevendo que Santo Antônio, sendo um santo português, evocado também pelos fanáticos torcedores brasileiros, ficou numa “batina justa”.

Hosana nas alturas, o maestro mais esperado do que Godot chegou!  

Ficou preso no trânsito ou em alguma passeata, deduzimos logo a razão da sua demora.

Sérgio Fortes fora incumbido, agora, de listar o currículo do convidado;  trombonista da Orquestra Sinfônica Brasileira, professor de trombone, maestro da Banda Filarmônica do Rio de Janeiro.

-Fundada em 2010.

O maestro foi mais preciso do que o Sérgio Fortes: maio de 2010. Reuniram-se músicos de alto nível, e surgiu a banda.

Instigado pelo titular do programa a anunciar a próxima atração musical, o maestro não decepcionou; seria o dobrado “Jubileu”, de Anacleto de Medeiros. Antes de ouvirmos o primeiro sopro dos instrumentos, ele verbalizou uma pequena introdução.  Tratava-se de uma composição, de 1896, que festejava os 50 anos da fundação do Corpo de Bombeiros; e assinalou que a banda do Corpo de Bombeiros regida por Anacleto de Medeiros gravou alguns dos primeiros  discos, no Brasil, na Casa Edison.

Ouvido o “Jubileu”, de Anacleto de Medeiros, filho de uma escrava liberta, Jonas Vieira escandiu bem as sílabas:

-Sen-sa-ci-o-nal. 

-Convidado meu. - disse o Sérgio com o orgulho de quem acertou no olho da mosca (metáfora de um amigo dele que tomamos emprestada).

-Eu, que gosto de bandas... - vibrava ainda o Jonas Vieira.

-O Antonio Henrique comentou que o Anacleto é o Phillip Sousa brasileiro. - revelou o Sérgio Fortes.

-Não deve nada a ele.- foi taxativo o Jonas Vieira.

Como Carlos Átila do Dieckmann, ou seja, porta-voz, Sérgio interveio :

-Dieckmann, que era para vir aqui e não veio (estava de ressaca, suspeitamos no Biscoito Molhado), pediu para falar com o maestro se era verdade que a maior ambição do John Phillip Sousa era compor valsas, mas que era péssimo, então lhe disseram: “isso aí dá uma boa marcha”, e ele resolveu a vida dele.

A versão do nosso amigo nórdico tornou o ambiente ainda mais descontraído. 

Jonas Vieira assinalou que John Philip Sousa era americano de pais portugueses, e fez alusão ao filme , de 1952, cujo título “Stars And Stripes Forever”, foi o seu maior sucesso.

O maestro falou, então, de discos seus de obras menos famosas do compositor americano, alguns deles musicais.

-Ele compôs até música para balé. 

-Para balé?!... - reagiu o Sérgio Fortes Abismado à informação do Jonas Vieira.

E veio a pergunta que não queria calar do titular do programa:

-E agora, maestro?

-Agora, um outro estilo, um maxixe, também chamado de tango brasileiro. 

E anunciou “Os Boêmios”, de Anacleto de Medeiros.  

Do primeiro ao último sopro da banda, todos se extasiaram, principalmente o Jonas Vieira que, no meio do encantamento, deu vazão a sua curiosidade:

-Você está envolvido com a banda desde o começo?

-Eu sou um dos fundadores.

-Quantos músicos?

-Sessenta.

-Maravilha! Isso no Brasil é um acontecimento. As orquestras no Brasil praticamente acabaram.

Com essas palavras do Jonas Vieira, fui conduzido à minha fase infanto-juvenil, quando, na companhia do meu pai, escutava a “Lira do Xotopó”, da Rádio Nacional. Alimentei, também a esperança de ouvir nesse programa a banda do meu colégio, Visconde de Cairu, que eu considerava o máximo.

-As bandas, os grupos de sopro, estão, hoje, restritas às formações militares; as da Marinha, Aeronáutica e Exército. As bandas civis estão em extinção.- constatou o maestro a triste realidade.

-Antigamente, as bandas estavam nas ruas.

Tinha razão o Jonas Vieira, até mesmo o Chico Buarque viu uma passar quando estava à toa na vida.

E foi lembrado o Élton Medeiros, também trombonista que, em Copacabana, ouvindo o Rádio Memória, ficaria melhor das mazelas que o incomodam.

-Já que falaram no Élton Medeiros, ele veio da banda. 

E prosseguiu o maestro:

-As bandas forneceram grandes talentos: Altamiro Carrilho, Paulo Moura, Severino Araújo.

E a próxima gravação foi da autoria do Severino Araújo, “Um Chorinho Delicioso”, o solo, fez questão de realçar o convidado do programa, era do clarinetista Cristiano Costa, “um dos fundadores da banda”.

-Arranjo primoroso! - concordaram todos com o Jonas Vieira após a audição.

A descontração voltou a reinar quando aludiram ao tamanho gigantesco do convidado. Coube a nós, ouvintes de rádio, imaginarmos um Gulliver em Liliput à frente de uma banda. 

Encerrado o recreio, voltamos às aulas de música:

-A agora, maestro?

-Vamos seguir agora com Hermeto Pascoal e uma das suas músicas mais famosas “Bebê”.

E que bebê, de deixar os pais orgulhosos!

O tempo urgia, e o titular do programa pediu mais banda.

-Agora, “Mas que nada”, do Jorge Ben, e o arranjo é de um japonês, Naoshiro Iwai. Vocês vão ver que ele faz uma releitura sem tirar as características da música.

E vieram, depois de soada a última nota, mais elogios à banda quwe nunca foram demais.

Antes do “demorado abraço” da dupla de apresentadores, o maestro comunicou o site da  Banda Filarmônica do Rio de Janeiro: www.bfrj.com.br.


sábado, 12 de outubro de 2024

3159 - Eutanásia a galope (R)

      

O BISCOITO MOLHADO


Volume 3401                    Data: 29 de novembro de 2009


ENQUANTO NÃO VEM A BANDEIRA 2


Entrei no táxi 139. As minhas corridas não costumam ser com esse motorista, por isso, ao afivelar o cinto, informei que o meu destino era a rua Modigliani.

-Eu sei.

Tem boa memória. - deduzi.

Não falava muito e eu, que vinha de uma viagem irritante de metrô, perdi a vontade de garrular. Emudecido, tornei-me mais observador e vislumbrei um diminuto adesivo do Mickey no painel. Essa figura do Mickey é de que época? - indaguei de mim mesmo. A pergunta era pertinente, pois o Mickey já se apresentou com umas sete características corporais pelo menos. A primeira característica foi uma rabo tão comprido quanto os dos políticos brasileiros que se dizem éticos, e a última, a terceira dimensão.

Como o taxista não falava, continuei pensando no Mickey e na declaração do seu criador, Walt Disney, com a esposa ao lado: “Nunca liguei para garotas e continuo não ligando. Amo Mickey Mouse mais do que qualquer mulher que conheci.”

O personagem surgiu em 18 de novembro de 1928, e como a lei de proteção dos direitos autorais dura 70 anos, nos Estados Unidos, o Mickey Mouse estaria sob  domínio público em 18 de novembro de 1998, mas  o congresso americano estendeu  por mais vinte anos a lei  do copyright, e muitas obras e personagens não caíram no domínio público, como foi o caso do camundongo do Walt Disney que, com isso,  exigirá direitos autorais  até 18 de novembro de 2028 de quem usar sua imagem.

Esse taxista  que se cuide  para não pagar direitos autorais sobre o Mickey Mouse do painel do carro.

-Chegamos. - avisou.

Saltei depois de pagar a corrida, é claro, e o meu gesto subsequente foi pegar a chave do portão da entrada. Demorando nessa busca, estranhei, olhando de esguelha, que o táxi não partia. Olhei para o interior do veículo, e vi que o taxista  fazia anotações num caderno de capa preta.

Será que ele também escreve uma espécie de Biscoito Molhado registrando os acontecimentos de cada viagem? - perguntei-me.

Bem, se assim for, talvez escreva agora sobre o Pato Donald, o Tio Patinhas ou o Pateta.

No dia que se seguiu, entrei no 158; era o táxi do Paizão, aquele que, na hora do apagão, transportava a filhona para a Praça Saens Peña. 

-Calor... - queixei-me ao sentar no banco do carona.

-Não adianta, temos de aguentar até abril.- expressou, na voz pausada, a sua conformidade.

-No hemisfério norte, já esfria e os casos de gripe suína aumentaram.

-Aumentaram? - mostrou-se perplexo.

-O senhor lembra como foi o inverno aqui?... No início de agosto, havia alguns casos de suína que a boataria centuplicou e as férias escolares  foram prorrogadas.

-Não é gripe suína, não. Os americanos inventaram esse nome para dizer que a gripe veio do México. Esta gripe é a espanhola. Sabe por que eu sei disso?

Era uma pergunta retórica, pois ele não me deixava abrir a boca.

-Transportei, certa vez, uma passageira que trabalhava num laboratório e ela me revelou que a gripe era a espanhola.

-Eu recebi uma mensagem eletrônica em que um casal declarava que, ao jogar fora o arquivo da revista Saúde, depararam-se com uma edição do ano 2000, que profetizava a vinda de um vírus com todas as características da Espanhola pós-Primeira Guerra Mundial. Páginas escaneadas da revista daquele ano confirmavam as palavras do casal.

-Eu sempre tomei a injeção dos idosos, mas, quando implantaram a vacinação, disseram que era um plano dos Estados Unidos para matar os velhinhos.

-Lembro-me disso. - aparteei.

-Um dias, duas passageiras me informaram que tinham de tomar essa vacina dos idosos para permitirem que elas viajassem para o exterior. Vacinei-me, então, sem sustos.

-O brasileiro quase derrubou um governo, na República Velha, para não ser vacinado.

-Não me diga.

E eu não disse, pois ele já estacionara o táxi defronte à minha casa.

Outro dia, outra corrida.

Divisei da rampa o 017- aquele do taxista do dedo do arqueiro inglês -  despontando na fila. Encurtei as passadas para ser ultrapassado  por alguém mais necessitado de táxi, porém todos rumaram para o ponto de ônibus. Fazer o quê?... 

-Olha só!... Olha! A pista é suficiente para passarem três ônibus, mas ele tem justamente de passar no cantinho, quase roçando no meu carro. - ranzinzou, mal passara a segunda marcha do seu carro para rumar para a rua Modigliani.

Depois de percorrer uns cem metros atrás do motorista que passara pelo cantinho, suavizou a voz:

-Ele está com problema no carro.

-A direção está puxando para a esquerda?- perguntei.

-Isso.

Mais quinhentos metros e outro problema para encruar ainda mais a inquietude do 017:

-Olha! Liga o pisca alerta e a gente fica sem saber se vai parar, dobrar à esquerda ou à direita.

Tratava-se de um colega seu de táxi, não da cooperativa Metrô, e ainda assim, ele afundou a mão na buzina.

-Ainda bem que essa buzina provoca menos barulho do que um  bode velho asmático.- pensei com meus botões.

-Você leu o caderno de ecologia do Globo de hoje?- perguntou-me, quando não viu mais carro algum com dificuldades à sua frente.

-A Marina Silva saiu do governo porque a ecologia não recebia a atenção devida, depois que ela apareceu com quase 10% das intenções de votos, até a Dilma Rousseff se tornou ecologista.

-Ele não considerou o meu aparte, e prosseguiu:

-Pelo que disse este caderno do Globo, em 2050 a vida será insuportável. Eu tenho 58 anos, até lá eu estarei morto, pois não vou chegar aos 108 anos de idade.

-Quem foi o professor de matemática dele? - perguntei-me.

-Não é o fato de não estarmos vivos, em 2050, que vamos poluir. - indignou-se mais uma vez.

Tomei a palavra:

-Segundo o Delfim Netto, o Brasil, com o atual sistema de seguridade social e previdência acaba antes. Aposenta-se no judiciário brasileiro com o salário médio 30 vezes maior do que o do INSS, no legislativo, 20 vezes mais, e, no executivo, 14 vezes mais. Em 2035, segundo o Delfim, serão tantos os velhos aposentados que os poucos brasileiros na ativa não conseguirão sustentar os aposentados.

-E tem solução?

-Convocar os velhinhos para tomar uma vacina americana contra a gripe.

-Rua Modigliani. - informou. 







domingo, 22 de setembro de 2024

3158 - Sherloque de araque

O BISCOITO MOLHADO


Volume 2082                     Data: 26 de mao de 2004 


ATUANDO COMO DETETIVE OU DELEGADO

Evitar ficar no trabalho depois das 5 horas da tardeesta foi a última recomendação da chefia, repercutindo ainda o caso da leitura de um processo no banheiro masculino com o posterior esquecimento do dito cujo sobre a cesta de papéis sujos.

Não; até hoje não se sabe quem foi ao banheiro relaxar as tensões de um expediente na marinha mercante com a leitura de autorização de funcionamento de uma empresa de navegação. Dieckmann ainda tentou, investigando pistas à distância, e dizendo-se um detetive chinês, elucidar o caso. Contudo, posou mais de Sherlock Holmes do que de Charlie Chan, e só não tocou violino porque não tinha um a mão, porém, tomou chazinho enquanto o seu raciocínio o levava a uma mão, aí sim, criminosa.

-"Seria a superintendente?" – perguntei-me.

Não, porque não é a Agatha Cristhie quem escreve a nossa história. A escritora inglesa superestimava o fator surpresa nos seus enredos, o que levou Raymond Chandler a criticá-la por desvirtuar a caracterização psicológica dos seus personagens por isso.

O nosso detetive do chazinho, o Dieckmann, ao contrário do Poirot e da Miss Marple, não afirma que a culpada seria a mais improvável das pessoas (pelo menos, quanto a esse crime), mas garante que foi uma mulher, apesar de o sumiço do processo com a posterior aparição ter ocorrido no banheiro masculino, ou por isso mesmo.

Como a divisão entre funcionários homens e mulheres deve ser meio a meio, Dieckmann está com 50% de probabilidade de acertar. Mudemos, não de assunto, mas do Dieckmann para o Garotinho.

Como os holofotes direcionados na elucidação do assassinato do casal de americanos eram inúmeros, todo o mundo viu o secretário de Segurança do Rio de Janeiro atuando como detetive diante do suposto criminoso. Atuando como detetive, mas não como delegado de polícia, isso porque ele pretende levar mais um sofrimento ao povo brasileiro, isto é, ser presidente da República. Com tal pretensão, teve de vestir essa fantasia de delegado de polícia, e interrogar um meliante em frente das câmaras de TV.

-"Brasília vale uma delegacia." – parodiaria o Garotinho o rei Henrique IV da França.

Bem, o fundador do piscinão de Ramos não conhece nem a fórmula química da água, como se viu no programa de conhecimentos gerais, "O Show do Milhão" do Sílvio Santos; não conhecerá ahistória da monarquia francesa. Henrique de Navarra seria impedido de assumir o trono francês, mesmo casando com Margueritte de Valois, filha da rainha Catarina de Médici, caso não abandonasse a crença protestante, e se convertesse ao catolicismo.

Pressionado, ele, então, disse uma frase que qualquer leitor do Alexandre Dumas conhece muito bem: "Paris vale uma missa". Ajoelhou, teve de rezar, mas, assim, tornou-se Henrique IV, o rei de
França.

Garotinho, que nos ameaça com a sua falta de conhecimentos, não é
sábio, mas é sabido. Observou outro sabido, o Lula que, por seu lado, só conhece o H2O que o passarinho não bebe. Garotinho o observava, quando ele ainda não era presidente da República, marcando presença de político solidário com os desfavorecidos como, por exemplo, nos tribunais onde se julgava por assassinato o líder dos sem-terra, José Rainha. Marcou o então candidato Lula presença, porque lá se encontravam as gambiarras da mídia. Depois, já no governo Luís Inácio Lula da Silva, José Rainha e esposa foram em cana. Garotinho, viu, e aprendeu que, às vezes, se veste uma fantasia, às vezes, outra e, no fim, todas as indumentárias que foram
tecidas, porque o povão quer muita novela, muita ilusão.

Já que mudamos do Dieckmann para o Garotinho, vamos reverter agora o processo (processo no bom sentido). Ao atuar como detetive no caso que sacudiu as entranhas do Departamento, o nosso amigo de origem batava garante que nenhuma ambição política o move:

-"Não há porquê, pois a mídia está fora do ilícito penal acontecido na privada dessa agência..." – declarou.

Declarou, esquecendo-se que o Biscoito Molhado ainda cobre as ocorrências desta Agência.
Ainda...