HISTÓRIAS PARA SEREM CONTADAS
Confundi filho com pai e escrevi que o Sérgio Fortes estudou no Colégio São Bento, e quem na verdade lá estudou foi o barítono Paulo Fortes. Para o Dieckmann, que não nos alertou para o erro, não faz muita diferença a troca de escolas, pois as alunas do Instituto de Educação, atraídas pelos alunos do Colégio Militar, preferiam futuros militares a futuros padres. Sérgio Fortes foi do Santo Inácio, onde pertenciam à mesma turma o matemático Oswald de Sousa e o prefeito, também íntimo dos números, César Maia. Para o público, Oswald de Sousa era o entendido na quantidade de acertadores da loteria esportiva, quanto ao César Maia, já possuía um talento bem mais diversificado: criador de factóides, varredor da Marquês de Sapucaí, maluco, tocador de obras, Pigmalião que tem como Galatéia o Luís Paulo Conde, e não uma vendedora de flores.
O atual prefeito, porém, conhecia os números e, segundo a reportagem de um co-irmão de O Biscoito Molhado, precisamente O Globo, disputava com Oswald de Sousa o título de melhor aluno de matemática da turma. Eram mestres, principalmente, em análises combinatórias, resolvendo com os pés nas costas aqueles problemas apresentados nos livros do Ary Quintela e do Jairo Bezerra. Nessa parte da disciplina, Oswald de Sousa se destacava nas combinações, e César Maia nos arranjos – o que explica o seu destino na política.
Contudo, o mais afamado NERD, CDF, ou o nome que for, da história do Colégio Santo Inácio, não foi o Sérgio Fortes, o César Maia ou o Oswald de Sousa, e sim o Mário Henrique Simonsen; também por causa da intimidade com os números. Depois que ele chegava do almoço, a sua secretária tinha ordens categóricas de não deixar ninguém sequer respirar perto da porta do chefe; pois Simonsen, com lápis e papel na mão, relaxava os nervos resolvendo intrincados problemas de matemática. Depois, passou para o jogo de xadrez, mas mestre também em análise combinatória, sabia que depois de poucas mexidas nas peças, abria-se um leque de opções de jogadas que passava do milhão, o que lhe exigiria muito tempo, e ele ainda tinha de se dedicar ao tabuleiro da economia, onde qualquer jogada ou movimentação das peças provocava uma corrida dos jornalistas à procura do seu parecer técnico.
Mário Henrique Simonsen dedicou-se, então, com mais fervor à música. Nós víamos, então, o ex-ministro da Economia do governo Geisel e do Planejamento no início do governo Figueiredo, também nas páginas dedicadas à cultura, na revista Veja, redigindo requintadas críticas a discos de óperas e a orquestras como as regidas por Hebert Von Karajan, e a presidir até Concurso Internacional de Canto com nomes conceituados. Nada mais lógico para um amante dos números, pois a música é a forma mais adiantada da matemática. Pitágoras já reduzira o acorde musical a uma proporção matemática, chegando, dessa maneira, à idéia que os números são o princípio, a fonte a raiz de todas as coisas. Como diria o Dieckmann, expoente em Latim, no Colégio Militar, na época em que vigia a Lei Gustavo Capanema, pois retiraram o Latim do currículo escolar em 1962: “Numeri regunt mundi” (Os números regem o mundo).
Na biografia do Paulo Fortes, Rogério Barbosa Lima cita na “Nota do Autor” o pensamento de um outro filósofo, Leibniz: “A música é uma álgebra sentida”. E, logo depois, reporta-se `a justificativa do poeta e teatrólogo inglês, W.H. Auden, para as incongruências dos enredos das óperas: “As pessoas não cantam quando não se sentem sensatas”.
Ainda com as vistas voltadas para a biografia do grande barítono brasileiro, não posso deixar de assinalar que os leitores não fruíram no Capítulo III, “Crônicas dos Bastidores”, de uma história que nos foi narrada pelo Sérgio Forte no seu célebre (por ser o único, talvez) correio eletrônico.
As ordens que a secretária do ex-ministro recebia do seu chefe de que não estava para ninguém não eram motivadas apenas para resolução de problemas de matemática; Simonsen, barítono que era, recebia Paulo Fortes no seu escritório, e ai de quem os interrompesse no meio da cantoria. Verdi, que compusera um inusitado dueto entre baixos na ópera Don Carlos, com notas tão graves que chegam a ser abissais, não podia deixar os barítonos sem um grande dueto e, assim, na sua última ópera, Falstaff, criou um admirável. Conta Sérgio Fortes que o seu pai personificava o Falstaff, e o senhor Ford, marido que se julgava traído por uma das mais alegres comadres de Windsor, era o Mário Henrique Simonsen. Certa vez, segundo o filho de Falstaff, isto é, do Paulo Fortes, saíra um pacote de medidas econômicas do governo e os repórteres correram para o escritório do ex-ministro para colher a sua opinião. A porta estava trancada e a secretária, como um soldado montando guarda, não permitia que ninguém incomodasse o seu chefe. A hora de as redações dos jornais fecharem se aproximava e nada de o homem aparecer com as suas opiniões abalizadas. Mas para o alívio dos jornalistas e da pressionada secretária, Mário Henrique Simonsen se contentou com o dueto, não arrematando com a puxada ária do Senhor Ford, “É sonho ou realidade”, que se segue. E, assim, as portas se abriram, para entrar a imprensa, e sair a arte, personificada na pessoa do Paulo Fortes. Apesar da frase de W.H. Auden, se eles permanecessem cantando seria mais sensato.
Muitas outras histórias saborosas como essas devem existir, mas o capítulo “Crônicas dos Bastidores” não é encorpado, e o Sérgio Fortes, num estilo meio João Ubaldo Ribeiro, confessou as suas implicâncias com os aparelhos de alta tecnologia, e, por isso, só nos enviou um e-mail. Infelizmente...