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quinta-feira, 19 de outubro de 2023

3145D - Queima de arquivo

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O BISCOITO MOLHADO


Volume 1 Edição 1                           Data: 06 de Outubro de 1948

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 O MIMEÓGRAFO


Existem máquinas que adquirem o nome de seu mais importante usuário. Assim, o telescópio mais famoso é o de Hubble (Edwin Hubble, astrônomo que descobriu a existência de galáxias fora da Via Láctea) e, outro exemplo, chama-se um acelerômetro por Hobbes (Thomas Hobbes, autor de obras que abrangem conceitos de política, física e matemática. Escreveu Leviatã, um tratado político que lhe valeu algumas perseguições e muitos discípulos...), a lâmina de barbear é gilete (King Camp Gillette) e aí, descendo muito, descendo bem, a ladeira dos chiques e famosos, chegamos ao Mimeógrafo de Dieckmann. 

Contou-me este nosso amigo que em 1971, sua então namorada Maira estudava na Santa Úrsula e fazia parte de... não, não prosseguirei como contador de história de terceiros. Muito melhor fazer bom uso de aspas e itálico, e passar para o papel as impressões em sua verdadeira grandeza, ainda que inclinadas:

"Em 1971, a Maira estudava na Santa Úrsula e fazia parte de um diretório que publicava apostilas. O ano letivo começava e, como as apostilas não estavam prontas, ela pegou o mimeógrafo da escola para imprimir no fim de semana. Ajudei como pude, o serviço terminou, mas o mimeógrafo ficou na casa dela; talvez tenha ficado duas, três semanas, algo assim e eu olhando aquela impressora do século passado e ela olhando pra mim."

Interrompo a narrativa para instigar o leitor, nunca dê tempo para o Dieckmann pensar no que falar, ou no que fazer. É certeza de que uma maquinação, às vezes diabólica, às vezes divertida, jamais melancólica, mas também jamais santificável, está por vir. Prossigamos com ele.

"Eu começava o 4º ano de engenharia naval, os "bichos" estavam de chegada no 3º ano, pensei que uma boa orientação profissional seria cabível e necessária para aqueles jovens alunos. E eu olhando o mimeógrafo e ele olhando pra mim... bem que podia fazer uma apostila para os nossos calouros.

Quem já usou mimeógrafo sabe que antes de imprimir, você precisa datilografar no estêncil (que é uma espécie de carbono) o texto desejado, em 3, 4... 10 folhas e depois, sim, rodar o mimeógrafo para obter as cópias de cada folha. Avaliei a tarefa e encerrei a questão, mas não desisti dos calouros. Em vez de uma apostila desencaminhadora, por que não uma palestra? Uma palestra falsa, um trote, uma enganação... e apenas um estêncil seria necessário. E apenas umas dez cópias, que seriam  coladas nas pilastras do Fundão."

É assim que as ideias se formam na cabeça do nosso amigo, vão devagar e são simplificadas em processo contínuo, sempre na direção da Lei do Menor Esforço. Vi acontecer nas vésperas do nosso primeiro Natal, no último ano do século XX, no amigável Departamento de Marinha Mercante. Eu estava na sala dele, quando a Inesinha perguntou seu endereço de casa; ele deu, mas perguntou o motivo. "Ah, os armadores estão pedindo para mandar algum brinde, normalmente cestas de Natal, como é praxe, todo ano".

Aí ele pediu para ela não repassar o endereço e uns cinco minutos depois, completamente desatento do assunto que discutíamos, Dieckmann ordenou suas prioridades e disse para Inesinha avisar os armadores para mandarem o que desejassem para o nosso endereço de trabalho. Um escândalo! Um olho arregalado fez parte das nossas caras, da minha, da Inesinha, do DJ e até do Dudu, do lado de fora da sala, para o escândalo que se avizinhava!

Largo o mimeógrafo pra lá e vou terminar a história do escândalo, ou choverão cartas de repúdio, ou pior, de cancelamento de assinaturas em nossa redação, por tentativa de interrupção no melhor ponto; portanto, nada disso, a cena volta ao DMM e começaram a chegar as cestas, do Lidador, da Casa Colombo, era só o que havia de melhor.

Foram todas para a sala de reuniões, onde havia uma mesa imperial, forte e larga (adjetivos cabíveis no nosso Coordenador) o suficiente para acomodar aquele novo empreendimento comercial; dois dias antes do Natal, nosso chefe magnânimo chamou os chefes de divisão e disse: "peçam aos colegas que tragam bolsas amanhã, farei uma fila de todos os servidores e cada um pegará o que desejar, uma coisa em cada mão e retornarão ao final da fila, até que acabem todos os presentes - e, como dei a ideia, eu serei o primeiro da fila e já vou avisando, pegarei a melhor champanhe!" Em vez de escândalo, foi um sucesso do Espírito de Natal, mas voltemos ao mimeógrafo...

"Palestra... tema Engenharia Naval, e mais o quê..? perspectivas, certamente, uma noção de futuro, mas que tal adicionar um pouco de solidez..? E assim, aos solavancos, nasceu ENGENHARIA NAVAL - PERSPECTIVAS E BASES - A PALESTRA. Junte-se a isso, um palestrante, ora, nosso colega Bento Moreira da Silva era quase homônimo do Almirante Paulo Moreira da Silva, um cientista exponencial e renomado, com seu Projeto Cabo Frio, uma iniciativa notável no campo da Oceanografia.

Mas ainda sobrava espaço no estêncil e decidi incluir uma visitação a um estaleiro de verdade, mas não um estaleiro qualquer, aqui da Baía da Guanabara. O escolhido só poderia ser o Verolme, por sua localização paradisíaca em Angra dos Reis e, a época só podia ser a Semana Santa, em abril próximo, com vagas limitadas, claro... Outro colega, o Christian Hoyer, tinha um nome que abalizava qualquer excursão a ser patrocinada por alienígenas, mesmo que fosse falsa."

Tenho que interromper de novo, porque o Paulo Moreira da Silva merece muito mais destaque nesta história do que essa palestra esvoaçante. Um pouco antes do Projeto Cabo Frio e após a Guerra da Lagosta, quando os franceses argumentavam que podiam pescar lagosta aqui porque ela é peixe e os brasileiros reagiam, dizendo que ela vive entocada na plataforma continental, o nosso almirante fechou a questão... "se a lagosta é um peixe, porque se desloca dando saltos, então o canguru deveria ser considerado uma ave” e foi o bastante para a França tirar o time de campo. Volta a palestra:

"Estêncil pronto, rodamos dez cópias e executamos, eu e o Joel, o planejamento da divulgação. No dia estipulado, a 'palestra' se daria às 13:00 e nós teríamos aula às 13:30 no mesmo local, um anfiteatro com uns cem lugares. Eu e Joel morávamos em Santa Teresa e viajávamos para o Fundão de jipe e, nesse dia, achamos que, em respeito ao programado, deveríamos chegar a tempo da 'nossa' palestra, talvez uns dez minutos antes. Chegamos e já encontramos o anfiteatro lotado. Duas filas de cadeiras, de praxe, as primeiras, estavam semi vazias, com alguns professores sentados, conversando animadamente. Nós ficamos no final, na escada traseira, apenas olhando, pois era certo de que aquilo não acabaria bem."

Como não lembrar da Maira, em um de nossos almoços, contando a história do envenenamento, que é um exemplo bem acabado de um episódio, onde o pivô é o nosso amigo? Conto rápido para não cortar mais uma vez o arrepio do leitor, mas o nosso Dieckmann tinha em casa um sabão desengraxante, vindo de uma firma sua, a CONGERAL, de Macaé. A empresa foi desfeita e ele herdou aquele sabão, que acomodou em muitas caixinhas de leite longa vida. Muito bem, seus filhos menores, liderados pela Carolina, então considerada no colégio uma "líder negativa", provaram o tal sabão, que provocou uma espuma. Apavorada, a Maira catou a criançada e os levou para a Urgil; passado um exame e o susto, ela retornava para casa, quando irrompeu uma choradeira no banco traseiro. Estupefata, ela ouviu que "papai vai matar quem sobreviver..." Dito isso, ela respondeu que deixassem isso com ela, suspirou e tudo acabou bem. Volta o suspense.

"Treze horas e ...nada, mais quinze minutos, a sala superlotada e aparece o seu Lima, para apagar o quadro negro, conforme sua rotina. Viu o movimento, mas seguiu no seu trabalho. Então, um dos professores foi até ele saber da programação. Ato contínuo, foram bater na Coordenação do Curso de Engenharia Naval. Neste momento, eu e o Joel saímos da cena.

Todos surpresos, foram achar em uma pilastra a mimeografada conclamação. Nós éramos poucos, o coordenador Selasco e seu imediato, o Benzecry, conheciam o nome de cada aluno; leram a folha e, instantaneamente, perceberam o trote. Como isso se deu, eu não sei, mas antes da aula começar, o Selasco apareceu no anfiteatro e pediu desculpas a todos, e disse que a palestra era um trote. A turba saiu frustrada, bufante e reclamante, mas aqueles alunos tinham aprendido algo para o resto de suas vidas.

Sai a turba e, como numa peça de Shakespeare, entra o Professor Boleckis, nosso futuro paraninfo, para dar sua aula; com dez minutos, mais personagens, o Selasco reaparece, com um Benzecry em segundo plano, mal se aguentando de tanto rir. Selasco dá uma bronca geral, que ele não entendia o que passava na cabeça do 4º ano, embora ressaltando que a última turma do 4º ano incendiara as cortinas, o que revelou pouca criatividade e muito vandalismo.  Em outras palavras, muito barulho por nada.

Apesar dessa compreensão toda, soubemos 40 anos depois, que o Selasco queria expulsar, senão todos, pelo menos os alunos mencionados. Ao que o Reitor, sabiamente, perguntou: 'O nome dos alunos é o que está no panfleto?' Dito que sim, o Reitor encerrou o papo: 'Então não há mentira, foi na palestra quem quis, não vamos expulsar ninguém!'. 

E eu também aprendi que se deve retirar o panfleto depois do efeito." A velha e popular queima de arquivo.



sexta-feira, 13 de outubro de 2023

3144 - INSS do Bismarck (R)



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O BISCOITO MOLHADO


Volume 1 Edição 1827                           Data: 07 de Maio de 2003

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AINDA O DESENCAIXE ATUARIAL


Iniciemos com a frase de uma escritora inglesa com sobrenome italiano, Maria Corelli:

-“Nunca me casei porque nunca precisei. Tenho três bichinhos em casa que, juntos, perfazem um marido: um cachorro que rosna de manhã, um papagaio que fala palavrões o dia todo e um gato que volta de madrugada para casa.”

Se vou falar de déficit da Previdência, até com o eufemismo desencaixe atuarial, por que iniciei dessa maneira? Ah, sim: maridos como os da frase da Maria Corelli, foram provavelmente aqueles que levaram sofrimento à Cynthia quando, trabalhando na Delegacia do Ministério dos Transportes, teve de cortar pensões de velhinhas porque os falecidos tiveram outras companheiras e, muitas vezes, filhos em relações extraconjugais.

Criado em 1923... no Brasil, evidentemente, pois a previdência social veio com Bismarck, o chanceler prussiano que falsificou um telegrama para provocar a guerra contra a França em 1870 e que, antes, em 1866, já fizera a guerra contra a Áustria... Fujo do assunto, talvez porque o assunto guerra é mais ameno.   Criado em 1923, no Brasil, o sistema oficial de previdência andou direitinho até o Juscelino Kubitschek resolver levar a fortuna de 6 bilhões dos seus cofres para a construção de Brasília. 

-“Sua avó, que sempre recebeu certinha a pensão do pai, teve de voltar com as mãos abanando das filas, na época do Juscelino.” – lembrava-me disso meu pai quase todas as vezes que eu falava em Brasília.

-“Não, pai, eu não quero elogiar Brasília, eu quero dizer que o trabalhador brasileiro, quando exigido, corresponde. Resolve-se construir uma capital federal em três anos, e o povão constrói. O Barão de Mauá teve todas aquelas idéias e, graças aos trabalhadores daqui, elas saíram do papel, e até incomodaram o poderio dos Rothchild,”

É isso aí: os políticos brasileiros é que arrastam o país para trás. E, assim, raspou-se mais ainda os cofres da Previdência Social para a construção da ponte Rio-Niterói, Transamazônica. Transamazônica, meu Deus!... Eugênio Gudin escrevia que, ao ouvir o Mário Andreazza, parecia que via ali o Juscelino. 

Hoje, contudo, Juscelino Kubitschek está reabilitado, a ditadura militar que tanto o perseguiu, conseguiu essa proeza. Vimos agora, por ocasião da campanha eleitoral de 2002, os quatro candidatos viajarem até Brasília para as homenagens do seu centenário. Todos estavam lá: Lula, José Serra, Ciro Gomes e Garotinho. Juscelino, que Nélson Rodrigues denominara o “canalha dionisíaco”, passara a ser cabo eleitoral com o seu "formidável" governo e nenhum candidato a presidente da República deixaria de aproveitar.

Samuel Wainer, quando escreveu o seu livro de memórias, insurgiu-se contra a calúnia de corrupção que lançaram sobre o presidente Getúlio Vargas, lembrando que até de bonde os seus filhos andavam. Quanto ao Juscelino, todas as vezes que a Última Hora necessitava de recursos, lhe indicavam um empreiteiro que era conhecido como “o empreiteiro do Juscelino”. Mais um argumento que nos leva a crer que, com Brasília, além da inflação, surgia a corrupção em larga escala, aliás, uma vem conjugada à outra.

-“A história fez justiça ao Juscelino.” – bradam hoje os seus admiradores.  

Cabe, então, citar essa frase de Napoleão Bonaparte:

-“A história é um conjunto de mentiras sobre as quais se chegou a um acordo.”

Falando em Napoleão, em conversa com o Leozinho por telefone anteontem, não deixamos de comentar as confusões que o Lula comete com o imperador.

-“Carlinhos, você viu: o Lula mais uma vez falou do Napoleão na China.”

-“Pois é, Léo; já foi aquele desacerto todo a invasão de Napoleão a Moscou, já imaginou ele invadindo Pequim? ”

Leozinho riu; afinal Napoleão não iria perder tempo na China para apenas visitar as Muralhas.

-“Léozinho, o Lula não estaria confundindo Napoleão com Gengis Khan? Ele, sim, invadiu a China lá por 1215.”

-“Ou Tamerlão, Carlinhos. Este pretendia invadir a China quando morreu  com cerca de 70 anos. Dizia-se descendente de Gengis Khan, mas era filho de turcos. Teve o seu valor no segundo império mongol. Não possuiu a China e a Mongólia como Gengis Khan, mas conquistou a Síria, a Índia e a Anatólia.”

-“Tamerlão...Napoleão... Creio, Leozinho, que dá para o Lula confundir.”

O diabo é que o Lula, alimentando mais o corpo do que o espírito, não deve conhecer o Tamerlão, e sim o Requeijão.

Falamos de o Napoleão descer numa sessão espírita, reclamando dessas incongruências do presidente brasileiro e desligamos. Retornei, então, os meus pensamentos à previdência.

Numa Veja de 1988, lemos que só o Brasil paga aposentadorias milionárias. O teto no Reino Unido é 1 060,00 reais, e o da França 1 350,00. Ora, esses não são países ricos como o Brasil que ainda pode dar-se ao luxo de ter 2 contribuintes por aposentado. Mas com toda essa “riqueza” do Brasil, quem deve a previdência tem que pagar, a começar pelos bancos.

 Ufa!... Como é difícil arrancar algum humor desse assunto. Paro aqui, e vou ordenhar pedra que é uma tarefa mais aprazível.